“Coques e trapilhas”

AntonioRMarques_ClubeSesimbrense2003«(…) Foi a época em que os sesimbrenses disputando poder e protagonismo, se dividiam em duas fortes correntes adversárias, que ficaram célebres pelos ápodos de “coques” e “trapilhas”. (…) Embora viessem de longe as contendas políticas, entre progressistas e regeneradores, a verdade é que elas se acentuaram logo após a criação da Sociedade Impressão Musical. A partir daí, as duas filarmónicas passaram a ser a face mais visível dos excessivos antagonismos que caracterizavam a vida de Sesimbra. (…) a banda do Grémio, por ser a mais antiga, passou a chamar-se “Música Velha” e a da Impressão “Música Nova”. (…). O episódio mais relevante (…) é o que originou essa zombaria de “coques” e “trapilhas”. Qualquer das bandas tinha, por regra estatutária, a obrigação de sair no 1.º de Dezembro, tocando o hino da restauração. (…) Aconteceu que um dia – 1.º de Dezembro de 1879 – (…) as bandas saíram na mesma altura, mas a direcção seguida pela da Impressão Musical foi no sentido oposto à da do Grémio. Assim, sucedeu encontrarem-se frente a frente, na embocadura da Rua da Praia (Rua Dr. Peixoto Correia) com o Largo dos Valentes (Largo da Marinha). Perante a surpresa e embaraço da situação, as bandas pararam de tocar e os músicos ficaram expectantes aguardando as ordens dos respectivos mestres. (…) Os elementos da “Música Velha”, para se protegerem do frio (…) vestiam gabões com o capuz espetado. Isso serviu de mote para que, entre as piadas provocatórias que se fizeram ouvir, alguém de entre os elementos da “Música Nova” proferisse, alto e bom som, a seguinte: “Olha, olha, parecem mesmo os “Coquilimoques”!” Foi o suficiente para que todos se envolvessem em pancadaria (…). (…) Tempos depois abreviada para “coques”, passou a ser genericamente usada como alcunha não só dos músicos mas ainda de todos os associados e simpatizantes do Grémio. Estes, por sua vez, (…) porque na “Nova” era muito menor o número de pessoas abastadas, alcunharam-nos de “trapilhas”. Tais cognomes, que atravessaram mais duma geração, viriam depois a designar os correligionários da Monarquia (coques) e da República (trapilhas), por existirem maior número de monárquicos no Grémio e de republicanos na Impressão Musical. (…) Mesmo assim, levou tempo a que a paz e a concórdia se restabelecessem (…). Quando tal aconteceu, foi (…) dado a uma das ruas da vila o (…) nome de Rua da Paz.»

Fonte: Marques, António Reis. O Clube Sesimbrense: Contributos para a sua história (1853-2003). Sesimbra: C.M.S. 2003, p.57-60.